domingo, 7 de dezembro de 2014

Lança-perfume vira 'praga' em festas na periferia de São Paulo

Nas noites de sexta, sábado e domingo, a Rua Herbert Spencer, na favela de Paraisópolis, Zona Sul de São Paulo, é fechada. Carros de som, barracas de bebida e jovens lotam o local para curtir o “Baile do 17”, tradicional baile funk de rua da região. Nas mãos, desde crianças de aparentemente 12 anos até adultos balançam pequenas garrafas de plástico e a levam à boca para aspirar o conteúdo. É o lança-perfume, droga que já foi moda nos carnavais do século passado, e que hoje é uma das mais usadas pela periferia de São Paulo.

O cenário visto pela reportagem do G1 não é exclusividade do local. “Está em todas as regiões da cidade, Zona Leste, Zona Norte, Zona Sul, está geral aqui em São Paulo, já é um problema de saúde”, disse o produtor e apresentador de bailes funk, José Ricardo de Souza, conhecido como Ricardo Sucesso, de 33 anos.
A receita original do lança-perfume é composta de clorofórmio, éter, e uma essência perfumada. No entanto, um jovem que não quis se identificar e que já vendeu o produto em bailes, disse que, atualmente, para a produção da droga, um dos produtos usados é o anti-respingo de solda sem silicone – que protege o metal da corrosão - ou o Thinner – um solvente de tintas.
A essência perfumada também é adicionada, e o produto é vendido em vidros de 5 mililitros por R$ 5. O conteúdo do vidro é colocado em garrafas de plástico ou latas vazias de cerveja ou refrigerante. O usuário balança o líquido, que evapora aos poucos, e o aspira pela boca.
Morte na balada
O jovem Kauan Rogério da Silva Batista, de 21 anos, morador da Penha, na Zona Leste de São Paulo, morreu em março deste ano. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) aponta a causa da morte: insuficiência respiratória causada pela intoxicação de lança-perfume.
A mãe de Kauan, Valeska Valéria da Silva Batista, de 37 anos, perdeu o filho mais velho. Ela conta que o garoto começou a usar a substância com 16 anos. Até um pouco depois dos 18, Valeska ainda não havia percebido o uso, até quando ele começou a mudar o comportamento dentro de casa. Com o uso contínuo, o jovem tinha constantes dores de estômago e na coluna e muita coriza, além de ter perdido a vontade de tomar banho.
Valeska disse que chegou a encontrar os pequenos vidros de lança-perfume escondidos dentro da caixa da privada. Ela tentou buscar auxílio médico, mas os postos de saúde lhe diziam que poderiam ajudar apenas nos quadros de crise do rapaz, quando as dores estomacais pioravam.
Dentro da casa noturna
Na madrugada do dia 18 de março deste ano, Kauan foi a uma casa noturna na Zona Leste de São Paulo, o Cabral. No local, ele começou a usar a substância por volta das 2h30, disse o tio, Marcelo Arena, de 37 anos. Ele acompanhava Kauan naquela noite.

Por volta das 5h, o jovem começou a discutir com um rapaz, que acusava Kauan de ter derrubado o lança-perfume dele. Neste momento, Kauan passou mal. De acordo com o tio, o bombeiro da casa disse “para colocá-lo para fora para tomar um ar”.
O tio levou Kauan ao Pronto-Socorro do Tatuapé, mas ele já chegou morto. O laudo do IML aponta positivo para o álcool e para uma substância chamada tricloroetileno – usado como solvente, desengraxante, agente de limpeza e medicamento anestésico – e também usada na produção do lança-perfume.
Na conclusão sobre a causa da morte, o laudo diz que Kauan “apresentou morte súbita em decorrência de insuficiência respiratória aguda devido ao edema agudo de pulmão, provocado pela intoxicação exógena aguda (tricloroetileno).”
Procurada pelo G1, a casa Cabral informou que "o frequentador Kauan passou mal na madrugada e foi prontamente socorrido na enfermaria do local, por um funcionário especializado em primeiros-socorros com curso de bombeiro civil". O estabelecimento ainda disse que "lamenta profundamente o ocorrido, todavia não há conhecimento das razões que resultaram nesta fatalidade, restando à polícia investigar a ocorrência".

Mãe de outros três filhos, Valeska irá se mudar para Itanhaém, no litoral sul de SP, em busca de uma vida mais calma para o filho caçula, de 15 anos. Apesar da dor da perda do filho, ela disse que quis dar entrevista ao G1 para poder alertar outras famílias. “Eu sei a dor que as mães estão sentindo e eu queria poder ajudar de alguma forma”.

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